Por: Letícia Moraes
O primeiro disco do grupo Samuca e a Selva, Madurar, é uma viagem de estilos latinos e regionais. Onde em cada música fazemos uma parada por um destino diferente, mas que no fundo se completa grandiosamente. Trata-se de um trabalho poético, e por assim ser, tentei elevar meu conhecimento ao nível dessa lucidez, o tratando de forma íntegra e permitindo meus tímpanos vasculharem cada detalhe dessas doze faixas que se seguem.
Vai: Trata-se de uma curta introdução, que já tem suas semelhanças com a primeira canção “Madurar”, é o início da nossa viagem.
Madurar: Canção que dá nome ao CD, segue um estilo dançante, com ritmo extasiante. Traz uma sensação de renascimento pela selva, mostrando as raízes que todos nós brasileiros temos. Como se fosse um culto à natureza, com um ar de “enfrente as suas feras”. É um encontro de meditação com a alma pacificada que bem no fundo todos nós possuímos. Ao ouvir esse som temos a sensação de estar protegidos pela mãe natureza.
Pobre do Bento: Um swing que apesar de trazer uma melodia alegre, conta uma triste história e nos faz apegar ao personagem Bento, que era pobre de bens. Ele não tinha nada material a oferecer, mas tinha seus vícios. E apesar do apelo às crenças, a ressaca da vida o fazia sofrer. Como andarilho embaixo do sol quente, sem ter o que comer, sendo devorado por sua própria carne até ser levado pela morte. O ruir dos tambores finalizou sua vida se encontrando com acordes agitados, mostrando apenas a realidade daqueles que por aí vagam na mesma sintonia.
Afobado peito ativo: Uma música com ritmo bastante regionalista, que traz o típico forró arrastado com alma de frevo. Descreve um amor teimoso, onde mostram-se os pesares de um peito afobado, mesclando sentimentos de saudade com vontade de estar junto. Que apesar de lutas, talvez idas e vindas, se faz presente e incurável, indomável e com incertezas sobre o que realmente pode significar o amor.
Detergente: Claramente uma salsa bem planejada e ardente. Em suas palavras demonstra algumas controvérsias, como os altos e baixos de uma montanha russa, que ás vezes lenteia como uma roda gigante. Mostrando as dores e dissabores de viver, que ficam para trás e retornam, como um ciclo. É uma superação constante diante dos obstáculos da vida, usando termos do dia a dia para delinear a realidade do que sentimos.
À beça: Única faixa em inglês do disco. Que nos apresenta um jazz simplório, desses tocados nas noites com cigarros e bebidas. Declarando sonhos e amores, nos faz fantasiar e viajar por becos vagos daqueles que se apresentam em filmes ingleses, que nos elevam e erguem com o som noturno, que divaga com algumas frases pronunciadas em português, o que não nos faz esquecer a essência da banda.
Guará: Com um início lento e calmo, dedilhado em choros de acordes que se encontram com ruídos semelhantes aos de um rio. Pronunciando em som quase sussurrante todas as coisas que os olhos podem enxergar em uma vida que escorre pelos braços das lembranças, como se um barco imaginário o levasse pelas coisas simples, por épocas, pela selva, por pessoas, por lendas. Até mesmo a forma como a música é cantada nos faz transparecer a soluços de um vento nobre que leva memórias por onde passa.
Coco Docê: Nos desperta novamente para o forró que se encontra com um maracatu suave. Com simplicidade e pressa, descrevendo alguém que quer estar junto, aconchegado e amansado de quem lhe faz tão bem. Nos remete às raízes do querer viver, conviver, devorar a presença, como se estivesse tanto tempo distante, que faz com que a saudade se amontoe em seu semblante.
Flores Raras: Apresenta um som viciante, principalmente pela sua batida de baixo que é tão forte e marcante. Descrevendo um provável primeiro amor, remetido e comparado a um jardim vasto, criado pelo raiar de duas almas que se encontram e cultivam flores raras que podem não ser eternas, mas com certeza são duradouras. A música se finaliza como uma orquestra de rua marchando em som fraco, como se estivesse sendo ouvida pelo rádio por alguém com esperanças.
Pantanal Paraguayo: Um som latino mesclado com uma forte regionalidade. Que descreve o inconstante pantanal e suas desavenças, sua força e audácia. Os instrumentos de sopro se destacam como uma fortaleza de informações. Se fecharmos os olhos podemos imaginar estar no pantanal, após uma forte chuva, com aquele ar puro de frescor verde imaturo em um entardecer.
Esperanza (bem vindo à selva): Trata-se de um groove muito bem trabalhado, que não perde o suor latino. Tem um instrumental charmoso e uma letra marcante. Nos faz delinear um amor repartido, que assim como todos tem seus momentos bons e suas crises. Em meio às suas palavras ainda nos faz elevar as reações que as pessoas têm diante de situações simples ou densas, comparando nossas vidas com o que acontece em uma selva, com reações primitivas usadas em rotinas urbanas.
Pantanal: Um instrumental que é uma versão mais preenchida e com mais peso de raiz da canção Pantanal Paraguayo. Um sopro na alma, um gole de clareza no meio da incerteza. Assim se despedindo do trilhar desse disco alucinante, que nos faz vagar entre tantos estilos e esbarrar em tantas histórias, em que alguma delas provavelmente já nos encontramos em algum momento. É o verde da vida brotando em meio aos cascalhos das tempestades que enfrentamos. É realmente uma selva a ser desbravada, cultivada e criada, para que no fim descanse em paz.
O show de lançamento do disco será dia 28 de outubro (sexta-feira próxima) no SESC Belenzinho, a partir das 21:30h. Quem quiser viajar em pensamentos, pode ouvir o trabalho pelo Spotify.