19 doses de loucura – Bruno Inácio conversa com o Papo Alternativo sobre seu livro “Devaneios e Alucinações”

Por: Vinícius Aliprandino

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Arte de capa: Jean Takada / Crédito da foto: Lucas Orsini

A loucura é algo que não tem medida exata. O que para alguns é tido como uma coisa fora do normal, para outros faz parte do dia a dia. Muitas vezes temos pensamentos e atitudes que para muitos é visto como loucura e até temos a consciência de que somos “doidos”. Porém, se pararmos para analisar, diante de todos essas acusações, diferentes culturas e atitudes no dia a dia, chegamos à mesma conclusão daquele ditado “De poeta e louco, todo mundo tem um pouco”.

Partindo também destas ideias, o jornalista, escritor e poeta Bruno Inácio, lançou recentemente seu mais novo livro – “Devaneios e Alucinações”. São 19 contos, nos quais são abordados uma diversidade de formas e situações, que se encaixam dentro do que podemos definir como loucura. Em algumas, o leitor poderá facilmente se identificar, em outras se espantar.  Entretanto, como falamos a respeito do que é relativo, no que trata a respeito da loucura, não será unânime que tal situação seja vista como loucura e outra dentro da normalidade.

No livro, o autor, a cada novo conto, traz a citação de um trecho de alguma música, o que de certo modo possui relação com o tema ali abordado. “Devaneios e Alucinações” busca inspiração nas palavras de Legião Urbana, The Smiths, Pink Floyd, The Who e em muitos outros nomes da música.

Sabe quando você assiste a um seriado na Netflix, e, ao final de cada episódio, se sente envolvido para ir para o próximo? Então, com “Devaneios e Alucinações” é mais ou menos assim. Ao final de cada conto, diante de uma reflexão sobre a situação que o envolve, com a comparação com a realidade do cotidiano, vem junto uma vontade de seguir para a próxima página, para a próxima história.

Cada palavra, cada ilustração, cada citação de música e cada contextualização, acompanhada de nomes famosos da cultura popular, que estão ali presentes nessas histórias, dão-nos a sensação de “quero mais“.

E como todo trabalho feito de maneira coletiva costuma receber ainda mais personalidade, devido ao conjunto de ideias, o livro não foge à regra. Para a parte gráfica e visual, Bruno contou com os trabalhos artísticos de Jean Takada, Fernanda Alves e André Consoli.

Takada ficou responsável pelo projeto gráfico e diagramação, enquanto que Alves e Consoli ficaram a cargo da ilustração. O prefácio do livro é do jornalista e ator Luciano Dami.

Tenho que agradecer muita gente. Um livro não é construído por apenas uma pessoa. E em meio a tantas que me ajudaram (desde o processo de criação às escolhas de acabamento), destaco o trabalho do Jean Takada, que através do projeto gráfico e da diagramação, fez desse livro algo extremamente conceitual.  Também devo muito à Fernanda Alves e ao André Consoli, dois artistas geniais que para a minha sorte ilustraram o livro. Agradeço também ao Luciano Dami, autor do prefácio, e a todos que diretamente ou indiretamente me ajudaram”, publicou o autor em sua página no Facebook.

Devaneios e Alucinações” foi lançado de maneira independente e não tem tiragem mínima. De acordo com Inácio, os livros são produzidos à medida que são vendidos. A editora do livro é a “Clube de Autores”.

Ainda segundo o escritor, não houve custos para a produção, sendo que, com as vendas, parte do dinheiro fica com a editora e outra parte com o próprio autor.

Aos 24 anos, Bruno Inácio é formado em Jornalismo, tem pós-graduação na área de Gestão Cultural, em Literatura Contemporânea e em Cultura e Literatura. Atualmente o jornalista cursa pós-graduação em Filosofia e Direitos Humanos e em Política.

Anteriormente Bruno já havia lançado o livro “Gula, Ira e todo o resto” e a comédia romântica “Coincidências Arquitetadas“, ambos de 2015. Além de livros, o escritor também possui a página no FacebookO mundo na minha xícara de café“, na qual, Bruno divulga seus poemas.

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Com o sucesso de suas poesias no Facebook, em 2016, o poeta publicou o livro que carrega o nome da página. No total foram publicados 80 poemas, contando com 72 que já haviam sido divulgados na página e mais 8 inéditos).

Devaneios e Alucinações” está à venda através do site “Clube de Autores”.

Para saber um pouco mais sobre as influências para escrever, as curiosidades e o modo de encarar “o que é loucura” pelo autor, batemos um papo alternativo com Bruno Inácio. Na entrevista também falamos sobre música, existencialismo, autores e planos que escritor tem pela frente. Além desses assuntos, Bruno conversou a respeito de muitos outros temas que você confere logo abaixo.


(Papo Alternativo) Bruno, primeiramente muito obrigado por conceder essa entrevista ao Papo Alternativo. Pra começar, conta pra gente um pouco sobre como surgiu a ideia de escrever o “Devaneios e Alucinações”.

(Bruno Inácio) Agradeço muito ao Papo Alternativo pela oportunidade e espaço. Bom, a ideia de escrever “Devaneios e alucinações” veio porque considero a loucura um tema extremamente fascinante, complexo e abrangente, então busquei abordá-lo no livro com diferentes pontos de vista e variações de loucuras.


(Papo Alternativo) De acordo com estudiosos da Psicologia, a loucura é algo avaliado de acordo com as normas sociais. Por exemplo: Um indivíduo que fuja da formatação social – a maneira como somos ensinados a agir socialmente desde criança; é tido como louco. Muitos dizem até que ela não existe e que o conceito do que é ou não, loucura, é medido por um termômetro mercadológico. O prefácio de “Devaneios e Alucinações” é do jornalista e ator Luciano Dami, onde ele aborda a forma de pensar dos gregos com relação à loucura. Não exatamente da mesma forma como a psicologia, mas de maneira parecida. Ele cita: “A loucura era considerada um estado passageiro de espírito, onde o sujeito “está” e não “é” em definitivo insano. Como você a avalia tudo isso? 

(Bruno Inácio) É muito interessante acompanhar o quanto o conceito de loucura muda com o passar dos anos e também de local para local. Em alguns momentos, vimos gênios sendo tratados como loucos (como Galileu, ao dizer que a Terra girava ao redor do sol) e acredito que talvez ainda façamos isso. Há uma poetisa que chama Stela do Patrocínio, que vivia em um manicômio. Passava os dias “rabiscando” papéis, mas não ligavam para isso. Depois da sua morte, perceberam que se tratavam de poemas muito bons e somente então perceberam a sua genialidade. Acredito que ainda fazemos muito isso e que há, sim, uma linha tênue entre loucura e genialidade.


(Papo Alternativo) Em cada um dos contos é explorado uma diversidade de situações relacionados a loucura. No geral, quais são os tipos de loucura, em que você se inspirou pra escrever?

(Bruno Inácio) O livro reúne contos bem diversificados. Alguns são bem intensos, numa atmosfera obscura, enquanto outros são um pouco mais amenos, com loucuras frequentes no dia a dia da sociedade moderna. Os principais tipos de loucura abordados são a dupla personalidade, a esquizofrenia e transtornos causados pelo excesso de solidão.

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Arte de capa: Jean Takada

(Papo Alternativo) Quanto tempo levou pra escrever o livro? Foi realizado algum tipo de estudo sobre a temática? 

(Bruno Inácio) Esse foi o livro que mais demorei a escrever, sem dúvidas. Alguns contos que o compõem foram escritos em 2015, no entanto, a ideia de escrever o livro veio apenas em 2016. Então escrevi outros contos com a mesma temática ao longo de todo o ano e os finalizei em outubro.

Foi um período de muito estudo, não só dentro do campo da mente humana e das variações do conceito de loucura com o passar dos séculos, mas também no campo da literatura, pois li muitos autores que exploraram o tema, como Edgar Allan Poe, Hermann Hesse e Stephen King.


(Papo Alternativo) Nos dias atuais, com todos os problemas que o mundo enfrenta, o que significa a loucura pra você?

(Bruno Inácio) Sou muito pessimista em relação ao momento que o mundo passa. Nunca, na minha vida toda, imaginei que veria tantos retrocessos. Dentro desse contexto, loucura é ver pessoas pedindo a volta da ditadura militar; pessoas perguntando “mas que roupa ela estava usando?” quando escutam que uma mulher foi estuprada; e pessoas tentando derrubar direitos conquistados ao longo dos anos, especialmente direitos que se referem às minorias.


(Papo Alternativo) De acordo com o ditado “de poeta e louco todo mundo tem um pouco”. A poesia que sei que faz parte da sua vida – você tem a página de poesias “O Mundo na Minha Xícara de Café”. Agora, com relação a loucura, após estudar e escrever a respeito, percebeu que de algum modo ela estava presente em sua vida? 

(Bruno Inácio) Acredito que em menor ou maior escala, a loucura está presente na vida de todas as pessoas, o que não significa necessariamente que seja de uma forma negativa. Em minha vida, posso observá-la em vários momentos. Tenho, por exemplo, a necessidade de ficar sozinho por algumas horas todos os dias. É o momento em que converso comigo mesmo (dentro da minha mente, é claro). Para mim, se trata de horas extremamente importantes para o autoconhecimento. É uma espécie de terapia. Mas para muitas pessoas, é loucura, então voltamos à questão de que loucura pode ser algo extremamente relativo.

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(Papo Alternativo) Você é editor chefe de jornal, uma profissão que exige muito mentalmente. Diariamente você lida com fatos um tanto estranhos. É possível estabelecer uma relação entre esses fatos e a loucura?

(Bruno Inácio) É possível sim e isso, inclusive, está presente no livro. Uma vez eu estive em uma residência onde um roubo havia sido praticado. Uma pessoa entrou na casa pela madrugada e levou uma grande quantidade de joias e dinheiro. A polícia havia me informado sobre o caso e eu estava conversando com a vítima, quando me passou pela cabeça o quão irônico seria se um jornalista praticasse crimes durante a madrugada apenas para ter notícias no dia seguinte. Então escrevi um conto com essa temática, mas ao invés de roubar, o personagem assassina pessoas.


(Papo Alternativo) Além desta obra, quais outros livros que você escreveu e quais são suas influências pra escrever?

 (Bruno Inácio) O meu primeiro livro, “Gula, ira e todo o resto”, foi publicado em 2015 e se trata de uma obra com 14 contos, sendo dois relacionados a cada um dos sete pecados capitais. O meu segundo livro, “Coincidências Arquitetadas”, também de 2015, é uma comédia romântica. Fala sobre a história de um casal do momento em que acordaram até quando se conheceram, em uma festa. A obra é narrada de maneira intercalada pelos dois personagens e, ao longo do enredo, fica claro que eles estiveram no mesmo ambiente várias vezes antes de se conhecerem e as ações de um impactaram diretamente a vida do outro durante todo aquele dia.

Por fim, no ano passado, publiquei o livro da página “O mundo na minha xícara de café”, composto por 80 poemas (72 deles publicados na página e 8 inéditos).

Por escrever prosa e poesia, as minhas influências são inúmeras. Dentre as principais estão Jorge Luis Borges, Hermann Hesse, Mark Twain, Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, Paulo Leminski e Ferreira Gullar. Também sou muito influenciado por músicos, como Bob Dylan e Cazuza.


(Papo Alternativo) O primeiro conto do livro “O dia em que meus personagens me visitaram”, narra a história de um escritor que é visitado por personagens que ele mesmo criou. Esses personagens têm, de alguma forma, relação com algum personagem já criado por você ou foi uma história totalmente criada?

(Bruno Inácio) Esse foi o primeiro conto do livro que escrevi. Isso aconteceu ainda em 2015, antes de a ideia de fazer uma obra com esse tema aparecer. Lembro que eu estava criando um personagem para uma história e pensei no quanto esse processo é interessante. O autor dá características físicas, emocionais, intelectuais e uma história de vida. Pensei no quanto focamos na construção de alguns personagens, enquanto outros são feitos de maneira mais superficial, por não terem tanta relevância dentro da obra. Foi quando imaginei como seria se os personagens mortos rapidamente numa história retornassem para se vingar do autor.

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Crédito da foto: Lucas Orsini

(Papo Alternativo) No filme “Ruby Sparks – A namorada perfeita”, a história contada é a respeito de um escritor que tem dificuldade em se relacionar com garotas, e, que após criar uma personagem, essa cria vida. Os contos “O dia em que meus personagens me visitaram” e “Criador e Criatura”, teriam alguma relação ou influência desse filme?

(Bruno Inácio) Com o filme não, porque ainda não o assisti. Mas são várias as histórias que influenciam esses contos, não só dentro do cinema e da literatura, mas também na vida real. Muitas pessoas constroem visões idealistas quando se apaixonam e acabam vendo alguém que, na verdade, não existe. Os personagens com vida podem ser interpretados, portanto, como uma metáfora dos anseios ou dos arrependimentos que alguém reuniu durante a sua vida.


(Papo Alternativo) Em “Erostrato”, conto de Jean Paul Sartre, o protagonista sente-se superior aos demais e vive tramando maneiras de um dia cometer assassinatos. Em determinado dia, ele acaba por satisfazer sua vontade. Percebo em “Megalomaníaco” esse mesmo ar, e em “O Mergulho” você cita Kafka e o próprio Sartre, ambos ícones do existencialismo. Você buscou essas ideias existencialistas pra escrever ou é algo que surgiu a partir de outra influência?

 (Bruno Inácio) A corrente existencialista é algo presente na minha vida já há algum tempo. Autores como Sartre e Kafka influenciam não apenas a minha escrita, mas também a minha visão de mundo. O existencialismo está muito presente nesse livro, especialmente nos contos que expõem feridas da sociedade moderna, como a solidão.


(Papo Alternativo) Cada um dos contos, além das ilustrações, traz a citação de algum trecho de várias canções famosas dentro da música. Temos lá trechos de letras do Smiths, Radiohead, Pink Floyd, The Who, Legião Urbana, entre vários outros nomes famosos do rock – inclusive é narrado em alguns dos contos alguma situação em que o personagem estava ouvindo alguma música de vários destes nomes. Você procurou associar esses versos com cada uma das histórias ali contadas?

(Bruno Inácio) Tenho o hábito de escrever ouvindo música, e sempre procura colocar algo que tenha uma atmosfera parecida com o tipo de obra que estou escrevendo. Então, enquanto escrevia esse livro, eu estava ouvindo essas bandas. As citações não correspondem exatamente às músicas que eu ouvia enquanto escrevia determinado conto, porém são trechos que se encaixam na história. É como se o trecho destacado na página em que cada conto se inicia fosse um prelúdio do que está por vir.

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Crédito da foto: Lucas Orsini

(Papo Alternativo) Você acredita que seria a música um celeiro de indivíduos carregados de certa insanidade, que, se traduzida para fora da formatação social, corresponderia a vários gênios que escreviam, e ainda escrevem, sobre assuntos relacionados a loucura, que nada mais são do que narrações de fatos corriqueiros do cotidiano?

(Bruno Inácio) O estilo de vida de músicos é extremamente intenso, então certamente eles experimentam diversos tipos de insanidade. Quando falo em intensidade aqui, não falo da máxima “sexo, drogas e rock n’ roll”, mas sim do desgaste, da pressão, entre outros fatores. Muita gente idealiza a vida do astro de rock, mas é uma visão um tanto quanto simplista. Há muito cansaço – físico e metal – envolvido também. Então, acredito que a insanidade vivenciada na rotina musical acaba sendo exposta em suas músicas, e nem sempre percebemos isso.

(Papo Alternativo) Quais são suas expectativas para este trabalho?

(Bruno Inácio) A minha expectativa é traçar mecanismos para que este trabalho realmente chegue ao público. Trata-se de uma obra que tem muito a dizer, então o meu principal objetivo é ser lido. Nunca enxerguei a literatura como uma maneira de conseguir dinheiro, mas também não gosto quando dizem que é um hobby, pois levo com muita seriedade e dedicação. Então, o que quero é que essa dedicação seja recompensada com muitas pessoas lendo o que tenho a dizer.


(Papo Alternativo) Você tem outros projetos e no momento deve estar focado na divulgação deste novo livro. Mas conta pra gente quais são seus próximos passos com relação aos projetos e trabalhos?

(Bruno Inácio) Já comecei a escrever outro livro, que provavelmente sairá até o final do ano. São crônicas sobre o amor e o tema é abordado de formas bem distintas. Algumas falam sobre as pessoas que deixaram alguém, outras sobre as que foram deixadas; algumas falam sobre deixar de gostar, enquanto outras, sobre quem gosta cada vez mais. O amor, assim como a loucura, é um tema muito amplo e que merece ser explorado.


(Papo Alternativo) Bruno, nossa entrevista está chegando ao fim. Gostaria de novamente parabenizá-lo pelo trabalho e desejar muito sucesso em sua carreira. Muito obrigado por bater um papo alternativo conosco. Essa última questão é reservada para você abordar algum assunto que não tenha sido explorado durante a entrevista ou então deixar uma mensagem final aqui, seja ela carregada de loucura ou não.

(Bruno Inácio) Só tenho a agradecer ao Papo Alternativo e parabenizar toda a equipe pelo importante trabalho desenvolvido por vocês, pois a cultura, infelizmente, é sempre deixada em segundo plano na mídia, mas veículos como o Papo Alternativo têm lutado contra isso e provado que o Brasil tem muito a oferecer.

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