Por: Vinícius Aliprandino

Um ponto final na história pode não significar exatamente o fim. Quando uma legião de inconformados parecia ter ficado órfã de uma banda, com o nome fortemente cravado no cenário musical independente, em especial do punk, devido ao fim do Blind Pigs, a voz forte, as guitarras distorcidas, o baixo insano e a bateria enfurecida de membros da banda, surgem e dão vida a outro nome.
Levantando bandeiras negras e desatracando o navio, a Armada surge com Henrike Baliú (voz) Mauro Tracco (baixo), Ricardo Galano (guitarra e voz), Alexandre Galindo (guitarra e voz) e Arnaldo Rogano (bateria) – todos com passagens pelo punk rock do Blind Pigs. Porém, desta vez com novos rumos no oceano.
Outros ritmos e outros temas
Através de um contexto náutico, o grupo levanta as âncoras do navio com um punk rock mais encorpado e clássico. Porém a fórmula desse novo trabalho não fica limitada apenas ao ritmo.
Com elementos e diversidade de outros estilos musicais, que vão do mais calmo ao mais rude, a Armada, não apenas toca tudo o que vem do coração, mas também se permite falar de uma diversidade maior de temas em cada uma de suas canções.
Futebol, questões indígenas, amor, amizade, homenagem, saudade a vida punk e muito mais – tudo é permitido, desde que faça sentido e dê razão aos mares por onde a banda paulista navega.
Trabalhos lançados e a crítica punk
Até o momento, o grupo já tem lançado o álbum “Bandeira Negra”, o EP “Ditadura Assassina”, clipes e lyric videos de canções como:
“Bandeira Negra”, que aborda uma temática, com um contexto de navio, cantando sobre os perigos, perrengues, aventuras e diversões da vida na cena musical, que resultaram em aprendizado para os integrantes;
“Próxima Estação”, que teve a participação de Sérgio Reis e fala sobre saudade, e pessoas que ensinaram, mas que não estão mais entre nós;
“Cobra Criada”, que contou com a participação de Kiko Zambianchi. A canção é uma versão de uma música do Bezerra da Silva. Na versão da Armada, a música ganhou um jeito mais rápido e agressivo;
“O Ódio Venceu”, lançado em quarentena, respeitando o distanciamento social e que aborda a preocupante situação de intolerância e a fragilidade da democracia brasileira;
“O Idiota”, um hino do punk rock brasileiro. A música é um cover do Blind Pigs e, em crítica ao governo Bolsonaro, ganhou uma versão acústica, com direito a clipe, também gravado, respeitando o distanciamento social;
“Nas Trincheiras”, que ganhou o lyric video e retrata o sofrimento e abalos que uma guerra pode causar. A faixa critica o romantismo da ideia de participação em uma guerra como algo positivo;
“Os Ratos”, que também teve o clipe gravado respeitando o distanciamento social, com referência de filmes B e que cutuca a ferida da política brasileira atual, de maneira metafórica, utilizando mais uma vez do contexto de um navio;
E “1982” que conta a história da derrota da seleção brasileira masculina de futebol na Copa do Mundo de mesmo ano, do nome da música.
Em clipe, Armada grita para expulsar “Os Ratos” do navio
Para falarmos desse e de assuntos como a cena punk, a banda, influências musicais, os planos para o futuro, o Papo Alternativo pegou carona no navio da banda paulista e realizou uma entrevista em alto mar, com vistas para o horizonte do futuro, além de falar das tempestades que rondam os limites do oceano brasileiro, dos “Ventos a estibordo carregados de azar” e das estórias de naufrágio que tentam assustar.
(PAPO ALTERNATIVO) Olá, pessoal. Obrigado por conversarem com o Papo Alternativo. Para começarmos a entrevista, gostaria de falar sobre o começo da banda. A Armada, com uma pegada mais abrangente e trabalhada, diria até que mais clássica, surge com vários ex-integrantes do Blind Pigs. Para vocês que já tocaram juntos, como foi esse reencontro e o que perceberam de mudanças entre “vocês da época em que estiveram no Blind Pigs” e de “vocês atualmente no Armada”?
(MAURO TRACCO) Não acho que foi um reencontro. Foi uma continuação. Assim que o Blind Pigs acabou nós decidimos fazer o Armada. Só mudou um integrante. A principal mudança é que nos sentimos mais livres para compor, para tentar novos ritmos, novas influências, podemos falar sobre o que quisermos. Enfim, não estamos presos à identidade que o Blind Pigs construiu ao longo de 20 anos.
(GALINDO) Para mim foi uma grande mudança, primeiro porque fui baixista por quase 11 anos no Blind Pigs, uma banda pronta, onde na maioria das vezes eu reproduzia os baixos feitos pelo Mauro. Participei do processo de composição de dois discos como baixista e colaborei em algumas letras e músicas. Agora no Armada voltei para a guitarra, meu instrumento de origem, participo desde o início da banda e tenho muito mais liberdade criativa.
(PAPO ALTERNATIVO) Com relação a sonoridade. O que o influenciou na criação da Armada e o que vocês estão ouvindo, atualmente, além das bandas que influenciam, diretamente, no trabalho de vocês?
(HENRIKE) Cresci escutando punk rock, mas de uns anos para cá tenho me dedicado à minha coleção de discos do Johnny Cash e do Elvis Presley, além de colecionar The Cramps, The Pogues e Bezerra da Silva.
Mas falando de punk rock, é aquilo, o clássico não sai da minha vitrola, escuto muito Stiff Little Fingers, The Clash, Ramones, Bad Religion. Cara, e tudo isso que escuto influencia de uma maneira ou outra nas composições da Armada. Acho que cada música da Armada é influenciada pelo o que estamos escutando naquele momento.
(RICARDO GALANO) Ultimamente tenho ouvido bastante Dropkick Murphys, The Bouncing Souls, Johnny Cash na fase American Recording, NOFX, The Pogues, Social Distortion e Strung Out. As bandas da gravadora Fat Wreck Chords não são referências pro Armada, mas sempre escuto.
(GALINDO) Estou sempre ouvindo punk 77 e rockabilly anos 50 que são meus estilos preferidos, mas a minha playlist vai do ska ao rap nacional. Na época que compusemos o primeiro disco estava ouvindo bastante The Bodies, The Cramps, Johnny Horton e Zero Boys. Na música “Armada”, chamei os meus amigos músicos Joe Marshall e Woody pra colocarem uma sonoridade mais psychobilly.
(PAPO ALTERNATIVO) O punk sempre foi crítico, falando diretamente ou não de política. Esteticamente, a Armada, em “Os Ratos”, mostrou o lado mais cru do punk, se diferenciando um pouco da proposta, até então, trabalhada pela banda. Isso foi devido à necessidade de falar de maneira mais direta e enérgica dos assuntos do Brasil?
(HENRIKE) Ah sim, claro. Foi um caso onde a mensagem era mais importante que o meio. Eu particularmente gostei muito do resultado. Gosto da letra, gosto da melodia que o Galano criou, amei o clipe que o Mauro montou e capa que criei junto com o Paulo Rocker também ficou sensacional. Enfim, me diverti com a criação dessa música.
(MAURO TRACCO) “Os Ratos” foi um som cru porque não havia outra maneira. Estamos isolados em casa e só podemos gravar com o celular ou o computador. No caso da bateria isso é um enorme problema. O Arnaldo gravou a batera dele com o celular, então a música tinha que ser crua, tosca. Achamos que o importante era lançar algo novo, independente das condições.
(PAPO ALTERNATIVO) Ainda falando de política e sociedade, como vocês imaginam um suposto cenário pós governo Bolsonaro? Acreditam que ainda existirá muita coisa para o punk rock seguir crítico e direto? Quais os pilares vocês consideram essenciais a serem construídos nessa busca?
(HENRIKE) O país perdeu, e ainda perde, muito com o Bolsonarismo. Perdemos a compaixão, o amor ao próximo, o respeito dos outros países e perdemos amigos. O punk rock sempre será crítico, seja nesse desgoverno com tendências neofascistas ou em qualquer outro, pois esse é o espírito punk. Para mim, o principal pilar, pelo menos na cena independente, é a união.
(MAURO TRACCO) Infelizmente, sim, vai continuar existindo muita coisa pra ser criticada. Cedo ou tarde o Bolsonaro sai, mas os 30% que estão fechados com ele não vão desaparecer. O mais triste da eleição de 2018 é que 58 milhões de brasileiros consideraram que o racismo é tolerável, que a homofobia, o machismo, o genocídio indígena são toleráveis.
Essas pessoas vão continuar aí, votando, tomando decisões, fazendo parte da sociedade. Ainda que eu torça muito para ele cair, pouca coisa vai mudar quando ele sair da presidência.
(PAPO ALTERNATIVO) Vivemos tempos de intolerância. Muitas vezes ser crítico ou não fazer parte do que grupos conservadores consideram como correto, resulta em violência. Vocês acreditam que deva ser praticado o debate e tolerância a todo custo, até pelo fato de evitar repetir os erros dos intolerantes, pensando na construção de uma sociedade que debata e converse respeitosamente entre si ou estamos em um ponto onde é impossível não revidar com a mesma moeda?
(HENRIKE) Estou velho para sair discutindo na rua com ignorantes, então escrevo letras que espero que façam alguma diferença. A munição da Armada nessa luta são as nossas músicas, a nossa arte.
(GALINDO) No começo desse desgoverno, achava que devíamos sim, estava tomado de ódio. Mas no final você acaba se igualando aos intolerantes, igualizando a ignorância. Temos que expor nossa opinião sim, e umas das melhores maneiras é usando o que sabemos fazer: música.
(MAURO TRACCO) Intolerantes não devem ser tolerados.
(PAPO ALTERNATIVO) A Armada tem várias temáticas diferentes em suas músicas. Vocês falam sobre futebol, punk rock, questões sociais, guerra, extermínio e preconceito contra os indígenas, entre outros assuntos. Queria que vocês falassem um pouco sobre essa abrangência das temáticas e se tem algum assunto que vocês têm em mente para desenvolver em trabalhos futuros da banda.
(HENRIKE) Escrevo sobre coisas que mexem comigo, sejam elas prazerosas, como “Lisboa”, onde canto sobre meu casamento com a Paola, coisas que me deixam indignado, como “Índios Corsários” ou experiências pessoais como “A Rua de Trás” e “Comandos em Ação”.
As ideias para as minhas letras surgem do nada, mas ultimamente tenho gostado muito de escrever sobre coisas pessoais, já que no Blind Pigs, não havia muito espaço para isso. A beleza da Armada é justamente poder escrever e cantar sobre qualquer assunto.
(MAURO TRACCO) Acho que desde que começamos a fazer música, há quase 30 anos, sempre foi assim. Sempre tivemos letras com críticas sociais, críticas políticas e outras que não são críticas a nada. Os melhores amigos são aqueles com os quais você pode conversar sobre vários assuntos. Ninguém gosta de uma pessoa monotemática.
(RICARDO GALANO) Na Armada temos liberdade pra falarmos sobre tudo. Normalmente, o Henrike escreve as letras, mas ele sempre fala comigo antes sobre o tema que quer abordar, até pra que eu possa desenvolver uma música, melodia, que encaixe com a ideia dele.
(GALINDO) Isso é o que mais me dá tesão de estar nessa banda, liberdade criativa. Cada um tem suas estórias e vivências e sintetizamos isso em canções. Ali fica um pouco da nossa biografia.
(PAPO ALTERNATIVO) Várias bandas vêm se formando nos últimos tempos, apesar da cena musical ter estado em baixa em anos anteriores. Porém, antes da necessidade de interrupção das atividades, devido à pandemia do COVID-19, vários festivais e uma leva de bandas novas e algumas das já consagradas estavam se organizando e dando novos ânimos para a cena. Como vocês enxergam o cenário do punk rock no país? Acreditam que estamos em uma boa fase, com chances de voltar com mais força, com o retorno das apresentações?
(HENRIKE) A cena punk rock brasileira sempre foi legal, com muitas bandas boas. Lancei dois volumes da coletânea “Para Incomodar – Street Punk Brasil” com bandas nacionais no meu extinto selo Semper Adversus. Só não lanço o terceiro volume porque é muita dor de cabeça, mas ainda existem bandas para alguns volumes.
(PAPO ALTERNATIVO) Depois dos novos lançamentos com os clipes de “Os Ratos”, “1982” e do EP “Ditadura Assassina”, o que o Armada tem em mente? Quais seriam os próximos passos da banda?
(HENRIKE) Terminar a gravação do novo álbum. Já está todo gravado, só faltam as vozes. Eu ia gravar os vocais em maio, mas aí rolou toda essa merda do Covid. Assim que a poeira baixar termino as vozes. Mas com certeza só sai ano que vem. Vai ser lançado no exterior pela Pirates Press Records e aqui no Brasil pela Comandante Records.

(PAPO ALTERNATIVO) Quando a pandemia passar, é possível pensar em uma turnê da banda com várias datas, pelos estados brasileiros ou por enquanto a ideia é para uma agenda pequena?
(HENRIKE) Vai saber, depende de muitos fatores. Mas é claro que gostaríamos de fazer uma turnê de respeito. Veremos.
(MAURO TRACCO) O que mais queremos é tocar por todo o Brasil, mas não depende só de nós.
(PAPO ALTERNATIVO) Pessoal, a entrevista está chegando ao fim. Gostaria, mais uma vez, de agradecer por concederem essa entrevista ao Papo Alternativo. Esta última questão é aberta para vocês deixarem uma mensagem para quem acompanhou a nossa conversa.
(HENRIKE) Apoiem as bandas nacionais comprando CD, vinil, camiseta e os merchandises oficiais. Banda nacional independente só se fode, toma calote de produtor de shows, tem que tirar dinheiro do bolso para ensaiar, gravar e até lançar os próprios discos, aí você vai nos shows e não compra nem um CD de 15 reais, mas enche a cara de goró.
Nessa pandemia podemos ver como cultura é essencial para a gente manter nossa sanidade, então faça a sua parte para as bandas que você gosta continuarem vivas.
(GALINDO) agradecemos demais o espaço e estamos ansiosos para sair dessa e encontrar todos num show do Armada com uma bela festa, tomando todas pra comemorar.
(MAURO TRACCO) Fora Bolsonaro!
Confiram o álbum “Bandeira Negra” e o EP “Ditadura Assassina” nos links abaixo e acompanhem o trabalho da Armada, através da página oficial da banda no Facebook e do perfil no Instagram.
Adoro essa banda.Eles não se limitam a um tema ,afinal o mundo está mudando com tanta agilidade e velocidade que o importante é dar o recado abordando as diversas frentes e acompanhar os acontecimentos.
No palco sâo puro gás.Não dá pra flcar parado,tem de jogar o jogo.
Tô ligada esperando os próximos shows
Obrigado pelo comentário, Maria Cecilia. Concordamos!! O Armada não se limita a um único tema, fala o que precisa ser falado, tem muita energia no palco e manda uma sonzera incrível!!