Faixa a faixa – “As Veias Abertas da Periferia”, da Cidda

Por: Vinícius Aliprandino

Os dias são difíceis e a luta é constante. Os hematomas seguem expostos e nada pode esconder. Mas recuar nunca é uma opção. Seguir em frente, mesmo que diante de um cenário totalmente contrário que é a opção. O vento gelado que bate no rosto na madrugada fria, com o ar contaminado. E para completar, “As Veias da Periferia Estão Abertas”.

E esse é o chamado pra luta. Esse alarme que berra, diretamente, do interior paulista, mais precisamente, na cidade de Ribeirão Preto-SP. É ali que nasce, cresce e se reproduz, se choca contra a parede, dá murro na ponta de faca, erra e acerta o alvo, sem nunca deixar de tentar – é ali que surge, ativamente e com muita energia, a banda Cidda.


Os pilares que formam a Cidda, erguidos pelo grito do subúrbio não poderia deixar de trazer consigo, luta, amor, diversidade, musicalidade, cultura, ancestralidade.

Recentemente, “As Veias Abertas da Periferia” ganharam o streaming. O novo álbum da banda (que anteriormente se chamava Start Today) tomou corpo e ganhou vida, como se executasse os passos de uma dança, através das influências do punk, pós punk, hardcore, samba, funk e heavy metal, juntamente com toda suas formas contestadoras de ser, representando as vozes, que tentaram ser abafadas.

Tudo isso, junto e misturado, em uma receita que resulta em relatos da vivência e na forma de enxergar o mundo, através dos olhos da periferia.

O trabalho conta com 10 canções. A arte de capa traz uma casa amarela, com seus vasos e plantas na frente. Uma janela aberta. Uma porta de entrada branca, frente ao chão batido e abaixo do beiral de madeira, que protege da chuva que chega com força – simples, porém acolhedora, representando as moradias da periferia.

Faixa a faixa

Coração Libertário” deixa o samba entrar, em batidas contagiantes, que conseguem mesclar momentos, de maneira natural e pesada com os demais instrumentos, que trazem a potência do metal e hardcore para música. A letra fala sobre não estar rotulado e aprisionado em caixas fórmulas simples pré-fabricadas. Enquanto os gritos ecoam pela canção, a mensagem é de uma liberdade em busca da verdade, da positividade e do amor.

Amanheceu (E Maria Clara Não Reside Mais Aqui)” tem uma introdução encantadora e tranquila, porém logo abre espaço para a sonoridade mais insana de todo o álbum da Cidda. Depressão e os caminhos para onde as drogas podem levar, são temas da canção, que conta sobre alguém que após uma noite de loucuras, acorda em um lugar onde não reconhece o ambiente e nem mesmo as pessoas que por ali estão.

Terra e Liberdade” tem na introdução um baixo potente, que é seguido por riff de guitarra acompanhado da bateria. Na sequência, a música se abre e a voz do vocalista Tom Coala surge para gritar contra o latifúndio.

Terra e Liberdade” faz referência ao filme de mesmo nome, que conta a história de um homem que, se junta à guerra civil espanhola e passa a integrar movimento de luta armada, que visava combater a ditadura do General Francisco Franco.

Batidas de máquinas, dinheiro, repetição de movimento. Produção em larga escala visando o lucro. Enfim, o mundo que se originou da revolução industrial. É esse o tema de “Henry Rollins e a Revolução Industrial”.

A vida social já não existe mais… é só dinheiro que interessa” – o verso que abre a canção, aborda a nostalgia da época de inocência, que visava desconstruir o mundo.

No presente atual, cantado ao longo da faixa que brinca com o nome do ícone do punk e do hardcoreHenry Rollins – na antítese da revolução industrial. O tempo e o dinheiro se tornaram, respectivamente, vício e prisão, do personagem (representando toda a sociedade) que se encontra encurralado pelo sistema e a forma de ganhar dinheiro – cumprindo horários, batendo cartão, na vida de uma pessoa comum e assalariada.

Viva a Miscigenação” acalma os ânimos da fúria do disco com a alegria do Ska. Dançante e empolgante, brincadeira e diversão estão apenas no instrumental. A letra fala sobre preconceito. Daquelas pessoas que batem no peito para dizer que são puros de sangue, influenciados por alguém que, em outros tempos, humilhou, torturou e matou, por pensar ser parte e existir uma “raça superiora”.

Embora a descontração do ska tirem, por um breve momento, o peso das canções, a faixa, em outros instantes surge com agressividade, em uma canção que, ao mesmo tempo é feliz e descontraída, comemorando a igualdade, respeito e a liberdade; também carregada nos ombros, a seriedade da luta anti-racista.

Passadas a comemoração e descontração é hora de voltar a gritar “basta”. E é exatamente essa a palavra que dá nome à faixa. “Já Basta” vai rápido na direção do hardcore, abordando a história de alguém que perdeu as batalhas na vida e caiu em desesperança em relação ao mundo.

Mas a luta não para. “Combater” dá sequência na fúria do álbum. As distorções acompanham os vocais rápidos e marcados de Tom. E se você pensava que o pico de adrenalina e velocidade do trabalho já tinha sido alcançada, a Cidda mostra que não. Passado um minuto de música, o hardcore old school entra em ação, inflamando as veias abertas da periferia, com revolta e vontade de lutar, naquela que é a faixa mais rápida do álbum dos ribeirão-pretanos.

Após a catarse é preciso dar uma respirada. E nada como voltar com o ska para comemorar e ser feliz. “Para Todo Sempre” equilibra o disco com a energia do ska e do punk, em uma faixa que fala sobre liberdade e estar junto das pessoas que ama. Amizade e marchas ombro a ombro são narradas ao longo da canção.


“E que se foda o bom mocismo e os jovens donos da moral,
porque eu nasci , cresci e morrerei assim eterno punk”

Em seguida é a vez de “A Queda”. Mantendo a velocidade do hardcore, harmônicos na guitarra e vocais rasgados fazem parte e acompanham a voz de Coalla, em uma música que fala sobre solidão de vagar, em desespero, pelas ruas da cidade, em uma madrugada fria.

Fechando “As Veias Abertas da Periferia”, “Agosto de 2010” chega com uma abordagem melancólica sobre tempos difíceis. O inverno, tarde vazia, tédio, crise e ter com quem contar nesses momentos são narrados ao longo dos versos da canção. Destaque para o baixo que passeia pelas suas linhas conduzindo a canção e o disco para um grande final.

A banda conta com Tom Coalla (vocal e percussão), Victor Ribeiro (guitarra), Henrique Gomes (baixo), Rafael Nogueira (guitarra) e Rads (bateria).

Confiram o álbum “As Veias Abertas da Periferia” aqui no YouTube, ou no link abaixo e acompanhem o trabalho da Cidda, através da página oficial da banda no Facebook e do perfil no Instagram.

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